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Justiça Social
08th March 2022
Em 2015, o Crescer com Amigos dava os seus primeiros passos em Portugal, com apenas um programa piloto com 18 crianças em 3 escolas de Lisboa. A inspiradora história por detrás deste começo pode ser lida neste mesmo blog, contada em primeira mão pelo fundador do TLG, Tim Morfin. Mas aqui, gostava de vos contar uma outra história que aconteceu um pouco antes, em mim, para que pudesse perceber a importância do Crescer com Amigos.
Desde que me lembro, a sensibilidade à injustiça social foi algo muito presente na minha vida. Talvez por ter crescido num lar onde recebíamos aos fins-de-semana crianças que residiam em lares, ou talvez porque anualmente passávamos as férias escolares no Brasil, onde a realidade da pobreza extrema era vista nos rostos de crianças nas ruas ou na paisagem de favelas intermináveis.
A verdade é que cedo percebi, mesmo que de uma forma muito auto-centrada e arrogante, que não conseguia ser indiferente à injustiça social a que ia sendo exposta. O meu percurso académico e profissional foi seguindo nesta direção, e se por um lado não tinha dúvidas do ímpeto que me impulsionava a trilhar este caminho, por outro não perdia muito tempo a refletir sobre a sua razão.
Foi só em 2014 que ao repensar o sentido por detrás do que fazia, rapidamente percebi que, antes de qualquer correção na minha rota, precisava de redirecionar primeiro o meu coração. E neste sentido, uma das ajudas mais preciosas que encontrei foi o livro “Social Justice” do Timothy Keller.
No centro da justiça social contemporânea e ocidental encontramos, hoje, os direitos individuais de cada um, que essencialmente se reduzem a uma busca de identidade e igualdade que apontam para o que é melhor para o indivíduo e a sua liberdade pessoal. Mas Keller volta ao sentido de justiça bíblico, que vai na direção oposta, da interdependência, de dar aos outros como se o que é nosso não nos pertencesse. Para explicar melhor este tipo de justiça podemos pensar no mundo como um tecido, que foi criado para estar bem unido, em igualdade e deleite.
A justiça é, assim, colocada em prática sempre que vamos ao encontro de uma parte do tecido que se está a descoser, onde os membros mais fracos da sociedade estão a ir-se abaixo. É esse o rico sentido da palavra shalom.
Naquela altura, via todos estes tecidos a descoser: uma escola que não servia de elevador social para os mais pobres, a pouca resposta para as questões emocionais e comportamentais de tantas crianças e como sem ajuda ficavam pelo caminho no seu percurso académico – algumas delas já com nomes e rostos queridos para mim.
Não poderia então haver um shalom, onde pessoas, grupos, comunidades de fé davam do seu tempo para ir ao encontro destas crianças? Onde elas seriam ouvidas e acompanhadas? E as suas dificuldades compreendidas e ultrapassadas?
O curioso é que nesta altura tive o meu primeiro encontro com a ideia do Crescer com Amigos, como se em todo o tempo em que estas coisas tomavam forma no meu coração, ele estivesse na verdade a ser graciosamente tecido para se juntar a algo muito maior.
Hoje, à distância de uma licença para estar mais dedicada aos meus próprios pequeninos, já perdi a conta das centenas de crianças e famílias, em vários pontos do país, que juntamente com aquelas primeiras 18, conhecem um pouco mais de dignidade, de confiança, de pertença, compreensão, … E eu podia gastar, em vão, muitas mais linhas a tentar resumir a multiplicidade, e unicidade, destas relações de um-para-um que só se definem na própria vivência.
Para compreender é preciso envolver. E há várias formas de o fazer: como coach, parceiro, Hope Giver.
Só é mesmo preciso querer começar a dar, como se o que é nosso já não nos pertencesse.
- Sarah Moura